segunda-feira, 27 de outubro de 2014

#12 - MISTICISMO XIX, Gyzelle Góes

O bar do Pires está mais caro do que a birosca da esquina, o preço para esquecer amores corrompidos subiu desde que a corrupção tomou conta dessa baderna politicamente incorreta. O guri do sorriso malandro me ligou quatro vezes desde que sumi dentro dessa cratera aflorada em mim, o toque me faz valsar sobre a vontade de me dar, mas logo lembro que me sobrou tão pouco.

Então recolho cada vestígio do que me pertence e tento perambular pelas ruas sem demonstrar o choro porque sou um livro não lido, uma bíblia satânica, a lágrima escorrendo através de olhos dramáticos. A melancolia está costurada em minha blusa de malha, e talvez também na expressão exausta da face.
O bar não vende bebida alcoólica às menores dores.
O banheiro do botequim está mais limpo do que o meu passado, acho que os amores me fizeram suja e bruta e se sou bruxa é culpa do coração sangue-suga que sugou as minhas chances de ser uma mulher devota a algum Deus que silencie os pecados. Esse mal que me acompanha me faz entrar em bares e me faz beber poções mágicas capazes de esquecer você, doce pretérito imperfeito.


http://palavrasdepoetamorta.blogspot.pt/2014/10/misticismo-xix.html

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

#11- MALDIÇÃO

Transforma-se em chumbo
Todo o ouro em que tocas.

É uma maldição que te guarda
Ou protege.


http://janizaro.blogspot.pt/2014/10/maldicao.html

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

#10 - "eu vi as luzes brotarem da montanha antes do grande incêndio", Nydia Bonetti

eu vi as luzes brotarem da montanha antes do grande incêndio
e um halo de sol mergulhado nas cinzas
em plena madrugada
a dança dos vestidos sobre as pedras do rio 
quando havia um rio 
que se podia ver 
da janela 
[e que cantava 
a música dos rios, de fazer dançar vestidos]
um grande rastro [vermelho] cortar o céu antes do amanhecer
eu vi
pude ouvir os cavalos relincharem na noite 
cascos sobre as pedras 
na rua deserta [fantasmas]
o arrastar de correntes
o estalo nas portas que nunca se fechavam, eu vi
os gatos no porão, as aranhas no forro e as pulgas no colchão 
de mola
mas ninguém me falou do grande cão faminto 
que mora nos relógios
das salas [feroz feito um lobo]
eu vi faíscas dos seus olhos de fogo, a casa incendiada 
e as fotografias
implorei pelas chuvas que não vieram 
era tempo de estio e a grande sede prestes a se instalar
na garganta 



http://nydiabonetti.blogspot.pt/2014_10_01_archive.html

domingo, 19 de outubro de 2014

#9 - PERO ADEUS, AI DEUS E U É?, Domingos da Mota

Pero Passos, passarão,
ergue a crista no poleiro,
um tudo-nada capão
no papel de timoneiro,
com a pose de tenor
e o bico recurvado,

impassível despudor,
obsceno arrazoado
por demais constrangedor,
pois bastante enviesado
sob um manto de rigor,
Pero tão despassarado.

Pero Passos passarinha
como um galo empertigado,
um tudo-nada, nadinha
convincente sobre o estado
que posterga da vidinha,
das andanças do passado.

Pero adeus, ai Deus e u é?
Quanto antes vá ciscar
para longe do meu pé,
muito longe do lugar
por onde faz finca-pé 
de sem dó pisotear.


http://morcegoseolhimancos.blogspot.pt/2014/10/cantiga-de-amigo.html