quinta-feira, 27 de novembro de 2014

#18 - O CADERNO, Sónia M.

O céu desaba na rua indefesa. Chora o céu.
E em mim chove. A noite parece ser mais noite,
mais escura, quando chove. 

Na mão seguro um caderno de capa vermelho-sangue. 
E foi com o sangue de alguma veia que me rebentou 
nos dedos, que dei vida a todas as páginas. 

Sinto dizer que não deixarei muito,
a não ser este caderno: silêncios que me arderam
nos ossos, porque a vida queimava.
Onde as dores devoram o papel nicado e amarelecido,
mais que o tempo. O que deixo são uns quantos
momentos comovidos e alguma mágoa alvoraçada.
Um cálice cheio da melancolia que os meus olhos beberam.
Se o leres, promete que não sentirás pena.
É nas profundezas dos abismos que se equilibra a vida,
e a noite se abre.  Sei que é pouco. Muito pouco.
Julgamos sempre ser mais do que algumas vez fomos,
ou seremos.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

#17 - GESTO ANTIGO

Era um gesto muito antigo o
Fechar das portadas quando
A noite vinha   um acto
Provincial nesse estoril à parte
Do tempo e fora do mundo
Português de então   como se
Avós e bisavós   mãe  eu  nós
Quiséssemos preservar o interior
Da casa   um ovo protector


http://janizaro.blogspot.pt/2014/04/gesto-antigo.html

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

#16 - NÃO INTERESSA, Carla Pinto Coelho

não interessa

que a casa esteja quente ou fria
se erga o sol finde o dia

não interessa

que ao silêncio das tuas palavras
se siga o desleixo do movimento

não interessa

a inalação do fumo
a percepção da terra

não interessa

que a esperança se erga
o corpo tombe

nada interessa


http://caisdasletras.blogspot.pt/2014/11/nao-interessa.html

terça-feira, 11 de novembro de 2014

#15 - REVERSO, Tania Anjos

uma visão me aterroriza:

o alfabeto 
outra me amedronta:
a folha
ainda outra me gela:
a pena

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penso, então, num novelo de lã...
(um novelo de lã...
...
...aguardo...)
 
 

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

#14 - MENU-MARMITA, Carla Diacov

é como preparar uma marmita
desse lado vamos com a parte gostosa
desse lado vamos com a parte que serve
mas que nem é tão gostosa
o centro é dividido
do lado de lá uma parte de
qualquer coisa com muita fibra
do lado de cá qualquer coisa mole que
não sirva
mas que dentro de toda a mistura
faça conceito e preencha a vagafissura no tempo
que é o horário do almoço
é como preparar uma marmita
agora vá e leia para os superpoetas uma de suas poesias



http://carladiacov.blogspot.pt/2014/10/menu-marmita.html

terça-feira, 4 de novembro de 2014